O que é fato ou fake sobre os vídeos dos fabricantes chineses?
Bolsas de luxo e o selo “Made in”: o que os vídeos chineses revelam (ou não)
Nos últimos dias, uma onda de postagens no Tiktok acendeu um debate antigo sobre a transparência na cadeia produtiva da indústria da moda de luxo. Vídeos gravados por fabricantes chineses alegam que peças de marcas de luxo — incluindo a icônica Birkin, da Hermès — seriam produzidas integral ou parcialmente em suas fábricas na China por uma pequena fração do valor que são vendidas, e posteriormente enviadas para a Europa apenas para receber a etiqueta “Made in France” ou “Made in Italy”.
🤔 Contexto: Marketing ou denúncia?
Os vídeos surgem em meio à escalada de tensões comerciais entre Estados Unidos e China, marcadas por uma guerra tarifária sobre itens de importação. As postagens rapidamente viralizaram, misturando bastidores da indústria da moda e estratégias de marketing direcionadas ao consumidor final. Em meio à enxurrada de vídeos, surgiram também influenciadores analisando e questionando as informações divulgadas. Um deles, por exemplo, destaca que essas ações parecem coordenadas e com um objetivo claro: divulgar a capacidade e qualidade das fábricas chinesas e abrir um canal direto de venda para o mercado internacional, numa reação às taxações e declarações feitas pelo presidente norte-americano Donald Trump. “O grande argumento que eles (os chineses) estão apresentando é: ‘você vai pagar 20 mil (dólares) em uma bolsa ou você vai comprar da gente por 3 mil (dólares)? Nós que fazemos, eles que colocam o logo’”, diz o criador @nemmaisumgole, questionando se isso é verdade em todos os casos.
👜 A Hermès faz bolsas na China?
Um dos pontos sensíveis da discussão recai sobre a Birkin, da Hermès — uma das bolsas mais desejadas (e valiosas) do mundo. Ao contrário do que alegam alguns vídeos chineses, como destaca também o criador @ischaoban, a Birkin não seria fabricada na China. A própria Hermès mantém produção artesanal exclusivamente na França, com artesãos altamente qualificados que passam por anos de treinamento. Cada bolsa é feita por uma única pessoa do início ao fim, em oficinas como as de Lyon e Riom.
Além disso, a Hermès opera fazendas próprias para a produção do couro e desenvolve, sob medida, metais e ferragens exclusivos para as bolsas. Em entrevista ao Le Monde no ano passado, a grife garantiu que todos os seus acessórios de couro são feitos exclusivamente na França – incluindo a Birkin.
🇮🇹 Made in France, Made in Italy: o que isso significa de fato?
É importante entender que a legislação da União Europeia permite que um produto seja rotulado como “Made in France” ou “Made in Italy” se a etapa final substancial da sua produção ocorrer nesses países — ainda que outras fases sejam executadas em outras localidades. Isso não é uma irregularidade, tampouco novidade: algumas marcas de moda e luxo tem seus bordados complexos feitos na Índia; fábricas em Portugal e Turquia produzem para grandes maisons; a Louis Vuitton mantém, desde 2015, uma fábrica no Texas, nos EUA.
🤔 Dúvidas legítimas do consumidor
Assim, um produto pode, legalmente, receber o selo europeu mesmo que grande parte da sua produção ocorra fora. O que levanta questionamentos legítimos dos consumidores: qual porcentagem do produto foi, de fato, feita na França ou Itália? Como saber se realmente o mesmo fabricante chinês que produz para grandes marcas não usa parte da produção para vender direto para os consumidores peças rotuladas como superfakes?
🇨🇳 O papel da China no novo mercado global de luxo
Os vídeos que viralizaram não surgem à toa. Eles fazem parte de uma mudança mais ampla no posicionamento da China no cenário de produção global. Muito além da imagem de cópia ou baixa qualidade, o país hoje abriga fábricas com tecnologia de ponta, mão de obra altamente qualificada e capacidade de produção em larga escala com controle de qualidade rígido — muitas vezes igual ou superior ao de centros ocidentais.
💸 Produção popular a baixo custo continua
Esse movimento ocorre num momento em que a China tenta remodelar sua imagem internacional: de “fábrica do mundo” para “referência em qualidade e inovação”. Mas isso não significa que todas as alegações feitas pelos fabricantes nos vídeos sejam verdadeiras. Em vários momentos, as marcas são confundidas: misturam-se grifes de luxo, como a Hermès, com outras de moda premium, como Coach, Michael Kors e Lululemon. Produtos exibidos como “autênticos” são, em alguns casos, réplicas de alta qualidade — não oficiais. Isso porque o país segue, paralelamente, produzindo em massa produtos populares e cópias de todos os níveis.
Entre fatos e fake news, a polêmica reacende discussões importantes: até que ponto o rótulo “Made in” garante autenticidade e qualidade? Que papel a transparência deve desempenhar na indústria de luxo? E como os consumidores podem distinguir entre um produto original, uma réplica e uma estratégia de marketing?
Carolina Vasone, editora do FFW
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Confesso que fiquei tão empolgado com os vídeos do chineses que demorei a checar. Achei uma virada de chave no mercado de forma geral. Uma pena que nesse assunto tão importante da economia, os vídeos venham com muitas inverdades também. Adorei essa edição, foi bem explicativa ❤️
Dito tudo isso, só nos resta torcer pela CHINA!